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Livros e algodão doce

Atualizado: 1 de set. de 2021

A bookstagrammer cearense Natália Guedes traça um panorama da sua vida como leitora


Por Juracy Oliveira

Natália Guedes com sua coleção de livros. - Foto: Divulgação/ Instagram Livros e Algodão Doce

A fala mansa de Natália Guedes é quase sempre acompanhada de um sorriso largo. Apesar dos seus 22 anos, conserva ainda um jeito encantador de menina doce e acanhada. Quando confortável, ela se solta um pouco mais, principalmente, quando fala de um dos seus temas preferidos na vida: os livros.

Eloquente sobre um assunto que aprendeu a dominar desde a infância, ela criou um bookstagram, em junho de 2020, para compartilhar leituras, resenhas, indicações e, mais recentemente, poemas de autoria própria. O perfil de Instagram denominado ‘Livros e Algodão Doce’ a fez entrar no nicho de criação de conteúdo para as redes sociais voltado ao universo da literatura.

Com cerca de 770 seguidores e um pequeno público já cativo que acompanha e interage com as postagens, a página @livrosealgodaodoce surgiu num momento em que Natália estava “triste, meio sem rumo, desesperançosa”. Além das implicações pandêmicas, desde o final de 2019, ela já vinha enfrentando uma batalha pessoal contra a ansiedade/depressão. Nesse momento a literatura deixa de ser apenas um hobby, passando a preencher o tempo de modo a desviá-la dos próprios sentimentos e pensamentos.

O percurso dela como leitora começa cedo, pois desde pequena demonstrou interesse pela leitura e pelos livros. Guarda como memória, por exemplo, os momentos em que a mãe lia livrinhos de fábula infantis. Ela lamenta, porém, que a escola fosse incapaz de cultivar esse gosto pela literatura, afinal, “ler o paradidático para fazer a prova” mais desestimulava do que qualquer outra coisa.

A abordagem engessada da literatura na escola acaba por criar uma certa ambivalência entre gostar de ler, mas questionar a leitura obrigatória de livros que sequer interessam ao público em questão. Isso só vai mudar com a chegada no Ensino Médio. Não que os métodos didáticos tenham se transformado nessa passagem, a diferença reside no conteúdo.

É o período em que a literatura é apresentada de forma mais sistemática, quando começa a estudar um pouco de literatura brasileira e a fazer a leitura dos clássicos nacionais, pelos quais se apaixona. Eis o momento em que se torna de fato leitora, pois passa a se interessar mais a fundo por literatura e também a ter mais autonomia na escolha dos livros, reconhecendo as próprias preferências.


Não que o hábito e o gosto pela literatura surjam apenas nesse momento, mas, por volta dos 15 anos, começou a ler de forma mais consistente e os livros passaram a estar mais presentes em sua vida. Estudante de escola particular, as instituições que frequentou sempre contaram com bibliotecas e uma boa seleção de livros para oferecer aos alunos. Por esta razão, Natália carrega a memória afetiva de leituras partilhadas com suas colegas de sala. Animada, ela rememora os episódios em que acabava pegando algum livro em particular por recomendação das amigas.

Dessa época, lembra: “a Natália de 15 anos pirou lendo ‘A Seleção’”, uma série de livros escrita por Kiera Cass para o público young adult. Embora tenha adorado a leitura, afirma que, caso lesse com a maturidade atual, encontraria vários defeitos. Fala também com carinho do escritor Nicholas Sparks, pelo qual sentiu um amor à primeira vista; reconhece que os livros do autor “são bem água-com-açúcar, aquela coisa bem clichê”, ainda assim, é cativada pela escrita dele.

Ela considera que esses livros com uma temática mais adolescente são capazes de gerar uma identificação natural com esse público, já que os problemas e as questões pelas quais os personagens estão passando são similares; isso “faz com a que a leitura se torne mais interessante e você queira ler mais”. É o tipo de obra ideal para quem está começando como leitor.

Por outro lado, ela cita que muitos estudantes demonstram desânimo pela literatura devido à insistência na leitura dos clássicos, com temas e linguagem rebuscada. Ela conta, como experiência para ilustrar seu ponto de vista, quando leu ‘As Crônicas de Nárnia’, de C. S. Lewis, como paradidático no 9º ano do Ensino Fundamental. A obra fez bastante sucesso na turma, inclusive com as pessoas que nem tinham costume de ler; segundo ela, os leitores foram atraídos porque os personagens eram jovens e a linguagem era diferente dos paradidáticos que normalmente liam.

Quando evoca a reminiscência desses livros, Natália transparece a alegria das memórias coloridas e intensificadas pela passagem do tempo. Do seu gosto atual como leitora, permanece o interesse pelos clássicos, não apenas os nacionais, mas também os estrangeiros, citando autores como Machado de Assis, José de Alencar, Jane Austen e Emily Brontë. Além disso, ela passeia na leitura por gêneros tão distintos quanto romance, distopia e suspense psicológico.

Estudante do nono semestre do curso de Direito da Universidade Federal do Ceará (UFC), ela revela que, diante da sua inclinação para os livros, pensou bastante em cursar a faculdade de Letras. Porém, a notável desvalorização da carreira no magistério a desmotivaram. Optou mesmo pelo Direito e, inclusive, fez estágio na área em 2020. Ela recorda que a remuneração da bolsa era gasta quase que unicamente com livros; considera que esse foi o ano em que mais comprou obras literárias.

Embora viesse aumentando gradualmente o seu consumo de literatura desde o final do Ensino Médio e o início da faculdade, foi apenas depois da eclosão da pandemia que considera ter extrapolado um pouco. Atribui isso em parte à Amazon, pois o valor dos livros costuma ser bem abaixo do mercado, a módica assinatura do Prime torna grátis o frete para qualquer compra e também há boas promoções com bastante regularidade. Tudo isso somado à facilidade da compra online, sobretudo num contexto de isolamento social mais ou menos rígido, tornam a Amazon bastante atrativa.

Para 2021, Natália criou uma resolução de não comprar mais livros, tentou se controlar um pouco até para ler os títulos que havia adquirido nas gastanças do ano anterior. Todavia, a meta fracassou logo nos primeiros meses do ano, principalmente por conta das aguardadas promoções da Amazon. Ainda assim, considera-se mais controlada. Ela observa também que tem consumido bastante livros digitais no Kindle, dispositivo de leitura da empresa de Jeff Bezos, tendo aproveitado as ofertas disponíveis nesse formato.

A estudante alega que tinha ressalvas em relação aos livros digitais antes de conhecer o Kindle. Depois que o comprou, em 2018, passou a consumir nesse formato porque o valor das obras era mais baixo e o ato da leitura era facilitado, de modo que começou a “ler mais em menos tempo”; além das vantagens técnicas, como a tela específica para leitura, a iluminação personalizável e a vantagem de poder ler no escuro.

Enquanto ainda mantém a preferência por ler clássicos e livros mais antigos no formato físico, ela acredita que os livros contemporâneos, principalmente do gênero suspense ou chick-lit (literatura feminina moderna), têm uma leitura mais fluida no digital. Por esta razão, entende-se bem com os dois modelos de consumo de livros, cada qual atendendo necessidades específicas.

Bem antes da pandemia, ela comprava os livros apenas em livrarias físicas, diz que foram raras as vezes que usou a internet para adquirir obras literárias. Ela alega preferir ainda a experiência de compra dentro do espaço da livraria, por isso, relembra com saudade da época em que a excelente Livraria Cultura ainda era situada na Avenida Dom Luís – bem distante de onde mora, mas era mais próximo do que a sua localização atual, no Shopping Rio Mar Fortaleza.

A paixão por livrarias foi nutrida nos grandes corredores de livros e no café dentro da Livraria Cultura. Ela conta que arrumava qualquer desculpa para ir ao local e passar horas “olhando livro por livro nas prateleiras”. Considera esta uma experiência muito boa, bem distante daquela que encontramos na frieza algorítmica da compra online. Porém, o contexto atual em Fortaleza consiste no fechamento de livrarias ou na sua concentração em partes nobres, e mais distantes, da cidade.

Além disso, o panorama das livrarias no país, como um todo, complica-se porque os preços das empresas de e-commerce como Amazon, Submarino e Americanas garantem preços bem abaixo dos valores oferecidos nos espaços físicos. Tornando-se uma concorrência desleal justamente pela grande disparidade de preços. Assim, para tristeza dos leitores, Natália observa que a tendência é que as livrarias sumam cada vez mais, enquanto as empresas digitais aumentam sua força no mercado literário, até o dominarem quase que por completo.

Atualmente, ela confessa não ter lido tanta literatura por conta das obrigações em torno do TCC. Se em 2020 houve tempo para ler como nunca antes, este ano tem sido mais puxado, com pouco tempo de férias e bastante demanda da faculdade. Segundo suas contas, deve ter lido menos de 20 livros até agora, ao passo que, em agosto do ano passado, já tinha facilmente batido tal meta.

Por isso mesmo, ela tem lido livros com temáticas mais leves e também obras menores, justamente para tentar ler mais títulos; foge dos calhamaços que demandariam mais trabalho e tempo do que ela possui no momento. Mesmo com esse ritmo de leituras mais esparsas, ela tem conseguido manter as postagens da página @livrosealgodaodoce em dia.

Em retrospecto, embora a deixasse feliz, a leitura ainda era um exercício demasiadamente solitário. Claro, a literatura conforta de algum modo porque sentimos que não estamos sozinhos, mas quando termina a última página, a companhia dos personagens acaba. Com quem falar depois disso? Ela sempre gostou de conversar sobre livros, só não tinha com quem fazê-lo, nem a família e nem os amigos eram leitores ávidos.


Na falta de um ambiente no qual pudesse falar abertamente sobre o que lia, criou a página ‘Livros e Algodão Doce’. Um espaço que, junto com a sua biblioteca, tem ajudado na manutenção da saúde mental nesse período da pandemia. O nome no Instagram reflete o que as obras literárias significam para Natália, ou seja, algo leve, doce e também divertido.

Não que todas as leituras sejam fáceis, mas ao entrar numa história que nos encanta e a qual não conseguimos largar, sequer percebemos o tempo passar. Os livros se tornam, assim, uma espécie de porto-seguro para o qual podemos sempre voltar em busca de alguma alegria ou qualquer outro sentimento que a literatura seja capaz de nos despertar enquanto leitores.




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